Bem aventurados os aflitos

Essa é uma das máximas de Jesus no sermão da montanha mais conhecidas e também uma das mais difíceis de entender e talvez até, a mais mal compreendida.


Como algo pode parecer tão contraditório?

Como considerar angústia, dificuldades, dor e sofrimento como algo bom?


Essas dificuldades na vida terrena no geral não são bem-vistas, afinal ninguém gosta de sofrer. 

Qualquer sensação desagradável aos sentidos é comumente rejeitada.

Por outro lado, na vida terrena a ventura do bom destino ou da sorte, é normalmente atribuída aos que a vida parece conceder mais facilidades, que dispõem sem muito esforço do que desejam.


Em muitas culturas é comum valorizar os que vem de berço de ouro, os que têm fama, dinheiro ou poder. Na ótica materialista, esses seriam os bem-aventurados, aqueles a quem parece que a sorte alcançou.


Então por que, Jesus propõe que os aflitos e os que choram são os bem-aventurados? 

Conforme nos traz as passagens a seguir de O Evangelho Segundo o Espiritismo

1. Bem-aventurados OS QUE CHORAM, pois serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados.
2. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor à justiça, porque é deles o reino dos Céus. (Mateus, 5:5 e 6, 10). Bem-aventurados, vós que sois pobres, pois o reino dos Céus é para vós. Bem-aventurados, vós que agora tendes fome, pois sereis saciados. Sois felizes, vós que chorais agora, pois rireis. (Lucas, 6:20 e 21)

3. Mas, ai de vós, RICOS! Que tendes vossa consolação no mundo. Ai de VÓS QUE ESTAIS SACIADOS, pois tereis fome. AI DE VÓS QUE RIDES agora, porque gemereis e chorareis. (Lucas, 6:24 e 25)

Para compreender a essência desse ensinamento temos que entender que as propostas de Jesus transcendem o olhar da matéria, é preciso considerarmo-nos como espírito imortal, o que já passou por muitas encarnações e ainda passará por muitas outras. E não sendo essa encarnação nossa única existência podemos entender que vivemos um período transitório num mundo de provas e expiações.


O Evangelho Segundo Espiritismo traz ainda que a felicidade não é deste mundo;

Se um homem ajuizado é uma raridade neste mundo, o homem absolutamente feliz jamais foi encontrado.


A felicidade na Terra é coisa tão efêmera para aquele que não tem a guiá-lo a ponderação, que, por um ano, um mês, uma semana de satisfação completa, todo o resto da existência é uma série de amarguras e decepções.  A única felicidade real aqui na terra é a paz no coração, porém o homem procura tudo aquilo que pode agitá-lo e perturbá-lo. Curiosamente, parece criar de propósito tormentos voluntários que só a ele caberia evitar.


Olhando a vida pela ótica espiritual, enquanto espirito imortal, é importante entender que a vida tem um propósito, um sentido profundo no qual temos um objetivo evolutivo, e assim como a própria encarnação a dor e o sofrimento que nos aflige é um dos mecanismos desse propósito maior, e tem um caráter didático.


As aflições podem ter origem na vida atual ou em existências anteriores.

As aflições que criamos na vida presente são desnecessárias, fruto de más escolhas, resultado da imprevidência, do orgulho e da nossa ambição.


Quantos se arruínam por falta de ordem, de perseverança, pelo mau proceder, ou por não terem sabido limitar seus desejos.


Quantas doenças e enfermidades decorrem da intemperança e dos excessos de todo gênero, como a alimentação, o álcool ou as drogas, podendo ser lícitas como os remédios farmacêuticos.


Quantos pais são acometidos pela tristeza com seus filhos, porque negligenciaram alguns comportamentos e más tendências na primeira infância.

Por outro lado, as aflições provenientes de vidas passadas são necessárias para nossa evolução e reparação de erros do passado. 

Como descrito no Evangelho Segundo o Espiritismo item 6, a perda de entes queridos e a dos que são o amparo da família. 

Tais, ainda, os acidentes que nenhuma previsão poderia impedir; os reveses da fortuna, que frustram todas as precauções aconselhadas pela prudência; os flagelos naturais, as enfermidades de nascença, sobretudo as que tiram a tantos infelizes os meios de ganhar a vida pelo trabalho: as deformidades, que podemos colocar como mutações genéticas, a idiotia, que hoje conhecemos como neurodivergentes, ou o cretinismo, doença mental causada por hipotireiodismo congênito, etc. 

Compreendendo o sofrimento

“...o homem sofre aquilo que fez os outros sofrerem. Se foi duro e desumano, poderá ser tratado com dureza e desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer numa condição humilhante; se foi avarento, egoísta, ou empregou mal sua fortuna, poderá ser privado do necessário. Se foi um mau filho, poderá sofrer com os próprios filhos, e assim por diante.” (Evangelho Segundo o Espiritismo, cap V, 4)


Quando o sofrimento decorre da má utilização dos recursos que a vida nos coloca ao alcance, seja decorrente de existências passadas ou da atual, nos ajuda a corrigir o curso existencial, alertando para a forma como não devemos nos conduzir. Quando conseguimos perceber o sofrimento dessa forma, começamos a nos dar conta do seu aspecto bem-aventurado.


Ocorre ainda na condição de mecanismo da vida e a serviço dela, impulsionando-nos à evolução espiritual. Por isso mesmo deve ser bem aproveitado, bem vivido, no sentido de extrair dele as preciosas lições que a vida nos traz.


O ensino dos espíritos nos traz o consolador prometido, não só para os espiritas, mas para todos, encarnados e desencarnados.  Caminhar seguindo os ensinamentos do Evangelho, não nos isenta das aflições, mas nos dá a força para passar pelas dificuldades. Pois nem todos os aflitos são bem aventurados, somente aqueles que sofrem resignados.

Motivos de Resignação

Por estas palavras: “Bem-aventurados os aflitos, pois serão consolados”, Jesus refere-se à recompensa que terão aqueles que sofrem de maneira resignada, pois compreendem que o sofrimento atual está ligado a erros que cometeram em outras vidas. Sendo assim, sofrer de maneira resignada é sempre o início da cura. As dores suportadas pacientemente na terra nos pouparão séculos de sofrimento na vida futura.


Quando não se aceita as aflições com resignação, como algo que de fato merece, e ainda acusa o Criador de injusto, está contraindo novas dívidas, perdendo assim os benefícios que a lição do sofrimento poderia lhe trazer.


Quando retorna ao Mundo Espiritual, o homem se assemelha a um operário no dia do pagamento. Para uns o senhor dirá: “Aqui está a recompensa pela sua jornada de trabalho”. Para aquele que viveu na terra de maneira ociosa, cuja felicidade estava nos gozos terrenos e na satisfação do seu amor-próprio, o Senhor dirá: “A você nada cabe, pois já recebeu na terra seu salário. Vá e recomece sua tarefa.


Quando Cristo disse: “Bem-aventurados os aflitos, porque deles é o Reino dos Céus”, não se referia aos sofredores em geral, porque todos os que estão neste mundo sofrem, quer estejam num trono ou na miséria, mas ah!, poucos sofrem bem, poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem conduzir ao Reino de Deus. O desânimo é uma falta; Deus vos nega consolações, se não tiverdes coragem.

A prece é um sustentáculo da alma, mas não é suficiente por si só: é necessário que se apoie numa fé ardente na bondade de Deus. 

Tendes ouvido frequentemente que Ele não põe um fardo pesado em ombros frágeis. O fardo é proporcional às forças, como a recompensa será proporcional à resignação e à coragem. A recompensa será tanto mais esplendente, quanto mais penosa tiver sido a aflição. Mas essa recompensa deve ser merecida, e é por isso que a vida está cheia de tribulações


No livro Reconforto, Psicografia de Emmanuel por Chico Xavier, o benfeitor nos traz que; nem todos os aflitos podem ser bem-aventurados, de vez que, somente aproveitando a dor para a materialização consistente de nossos ideais e de nossos sonhos, é que se nos fará possível encontrar a alegria triunfante do aprimoramento em nós mesmos, a que somos todos chamados pela vida comum, nas lutas de cada dia.


Bem-aventurados os aflitos pode então traduzir-se assim: Bem-aventurados os que têm ocasião de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão à vontade de Deus, porque terão centuplicada a alegria que lhes falta na Terra, porque depois do labor virá o repouso. – Lacordaire. (Havre, 1863).

FontesReconforto,  Chico XavierO Evangelho Segundo e Espiritismo, Alan Kardec